
— Ai bicha
do céu! Não aguento mais correr! Olha aí... ai que ódio! Quebrou o saltinho do
meu sapato...
— Fecha
essa boca e corre, mona!
— Esse cara
tá correndo atrás da gente por quê? Não fizemos nada...
— Você não,
mas eu fiz...
— Espera
aí, amiga... Agora caiu meu brinco...
— Deixa
isso pra lá e vamos embora, rápido...
— Ai loca!
Você acha que eu vou deixar meu brinco pra trás. É cristal Swarovski...
Um clarão
iluminou a escuridão. De repente uma rede de material sintético envolveu o
corpo do travesti, que se agachava para pegar o brinco.
— Ahhhhhhh!
O que é isso? Socorro mona! Ajude-me aqui! — a boneca gritava, quanto mais se
mexia mais enroscada na rede ficava.
A outra
travesti parou, estava ofegante, mas voltou para ajudar a colega.
— O que é
que está acontecendo? O que esse cara
quer? O que você fez pra ele? — perguntou quase perdendo o ar ainda presa à
rede.
— Não é o
que eu fiz... e sim... Ahhhh! O que... eU... SOUUUU... — disse o outro
travesti, agora, com voz estranhamente cavernosa. A bicha sofria uma mutação espantosa. A luz
da lua cheia iluminava o ser contorcendo-se, dolorosamente, aos sons de ossos
estralando, gemidos e roupas rasgando.
— Monaaa do
céuuuu! Queriiiiida! O que está acontecendo com você? Você está virando uma...
borboleta? Tá rasgando esse vestidinho tubinho, lindo... Ahhhh! OLHA O QUE VOCÊ
FEZ NO SAPATO!
O travesti
dobrara de tamanho. Sua amiga parou de falar quando percebeu o corpo peludo, as
garras afiadas e grandes, a cara de cachorro raivoso e focinho enorme. Os
brincos na cor rosa fluorescente continuaram presos às orelhas do, agora,
lobisomem.
— Bicha do
céu tu és o Lobo Mau? Ai que fofinho que você ficou. Vou chamá-lo de Boomer.
Sempre quis ter um cachorrinho com este nome. Aaa-doo-roo!
O monstro
rasgou a rede que prendia a amiga sem dar a mínima importância para o que a
“moça” dizia e uivou. Uivou até conseguir arrancar a minúscula calcinha, que
não rasgou na mutação e lhe apertava os testículos escondidos sob um pedaço de
emplasto, agora muito mais avantajado do que antes.
—
Jeeesuuus! Benzadeus! Você nunca me falou disso...
Da penumbra
da noite uma silhueta alta e forte apareceu chamando a atenção do Monstro
lupino. Vestia uma camiseta preta, dois cinturões cruzados no peito que
escondiam a estampa em amarelo de uma carinha redonda e nervosa. Um dos
cinturões estava carregado de estacas de madeira, no outro, balas de prata. O
homem empunhava uma pistola grande e estranha, a arma estava carregado com balas de prata, presa as
costas carregava uma outra maior, com a qual lançara a rede.
O lobisomem
arrancou a calcinha e jogou. A peça intima, de tamanho diminuto, voou até parar
aos pés de uma placa de propaganda, onde era anunciado um show do cantor Vando.
Ergueu os braços e urrou mostrando toda sua força, chacoalhou a cabeça, e os
brincos rosa fluorescentes brilharam a luz da lua cheia. Deu um passo por cima da
“amiga” caída. Curiosa como só, a rapariga esticou o braço e com um puxão
estúpido arrancou o emplasto que tapava a genitália do mostro.
Por um
instante o animal parou e envesgou seus olhos grandes e avermelhados, a dor foi
tão intensa que ele gritou como um cachorro assustado, correu em círculos
arrastando seu traseiro no chão. A
travesti percebeu que não fora uma boa ideia, segurava em uma das mãos o
adesivo repleto de pelos negros. Quando o monstro parou e se virou para ela,
rapidamente à boneca tentou esconder o emplasto, mas ele grudava de uma mão na
outra.
— Nossa
Mona! — a bicha deu um sorriso amarelo. — Tu vai precisar de dias para fazer
uma escova definitiva nestes pelos, querida. — disse tentando disfarçar o medo.
O lobo
soltou outro urro e com um chute arremessou a colega para longe como se fosse
uma boneca, ela girou no ar e caiu a alguns metros à frente.
—
Finalmente encontrei você! — disse o homem.
O lobisomem
virou-se com os brincos a balançar. A marca de batom ainda era visível nos lábios
do animal, a cor rosa combinava com os brincos e com a calcinha rasgada.
— Você é a
desgraça de seus ancestrais. E agora vou matá-lo.
O lobo urinava agachado para
marcar seu território.
— Isso é
discriminação seu bofe nojento! — gritou o travesti a alguns metros dali
enquanto levantava ajeitando as costas, que no intuito de ajudar a colega e
aproveitando um momento de distração, correu e pulou nas costas do homem
armado, no momento em que ele atirava com a pistola carregada com balas de
prata.
O tranco o fez errar o tiro. O
projétil passou de raspão na orelha do lobisomem arrancando-lhe um dos brincos
e deixando-o com os pelos da orelha chamuscados. O lupino pulou de susto
agarrando-se a um poste de iluminação.
Mesmo com o travesti agarrado em
suas costas o matador conseguiu pegar o frasco de gás pimenta de um de seus
cintos e disparar um jato diretamente nos olhos da boneca. Agora ela rolava no
chão, desesperada, sujando todo o vestido tubinho, azul tampinha de caneta.
Aquilo foi o “Ó” pra ela. Quando o homem se preparava para atirar novamente,
dois morcegos enormes passaram por ele, desviando sua atenção. Uma nevoa branca
surgiu mais à frente e os dois morcegos transformaram-se em belos vampiros. O
mais velho tinha cabelos curtos e ajeitados com gel, usava vestimenta clássica
de vampiro, um tanto quanto cafona para
a atualidade, camisa branca com babados e bordados, calça de tergal e capa de
golas altas, pretas, a capa era forrada em cetim vermelho, o outro era de corpo
muito bem definido, usava calça preta de couro, bem agarrada, que deixava um
volume surreal entre suas pernas, casaco de couro preto e longo, sem camisa.
Sua pela branca contrastava com a negra vestimenta. Que aberta mostrava seu
abdômen definido, tinha cabelos longos, negros e sedosos. Uma beldade vampírica de tirar o fôlego.
— Isso é
alguma reunião da Ordem dos Monstros? — perguntou o matador.
— Olá
Vanderlei, nos encontramos novamente. — disse o vampiro mais velho, entre
engasgos, pelo constrangimento da posição inusitada em que se encontrava o
lobisomem, agarrado ao poste.
O animal deu mais uma vira volta
no cano metálico. Executava ali, com extrema destreza, alguns movimentos de Pole
Dance. Escorregou de cabeça para baixo e antes de bater com ela no chão, girou
e pôs-se de pé. Em seguida pulou e parou ao lado do vampiro mais jovem. Deu uma
olhadela, mordeu os lábios e revirou os olhos rubros imaginando cenas eróticas
em meio a mordidas e arranhões.
— Não
esperava encontrar todos vocês aqui. — disse Vanderlei estranhando a cena.
— Sempre
aparecemos quando um de nossos amigos está precisando de ajuda. — o vampiro
olhou para o lobo e pigarreou tirando-o de seus pensamentos. — Mas pelo visto
quem vai precisar de ajuda é você.
Vanderlei
recarregava seu lançador de estacas calmamente, uma a uma. Mas os gritos do
travesti que agora reclamava do vestido
manchado e rasgado, tirava sua concentração. Irritado e sem que a boneca
histérica percebesse, ele tirou da cintura uma arma de choque e disparou sem
olhar. A “moça” caiu no chão, tremelicando e espumando pela boca, devido ao
choque violento. O delineador em seus olhos deixou manchas negras no rosto
devido às lagrimas do choro involuntário que escorriam.
— Pronto,
esse ai vai dormir um pouco. — disse Vanderlei.
Em seguida
um aviso sonoro soou no ponto eletrônico em seu ouvido.
— Bem pessoal, não quero estragar
a festa, mas minha ajuda chegou.
Sem que os monstros percebessem o
ajudante de Vanderlei, Dimitry e sua careca reluzente, chegava por de trás. No
momento em que ele disparava uma rede sobre o vampiro mais velho, Vanderlei
atirava com seu lançador de estacas no jovial vampiro. O lobisomem empurrou o
vampiro para tirá-lo da trajetória da estaca mortal e salvarndo-lhe a vida. O
tiro acertou o lupino no culote fazendo-o pular de dor. O vampiro caiu e bateu
com a boca no chão quebrando um dente.
— Você acha que vai me deter com
essa rede de pesca? — disse o descendente de Nosferatus, o mais velho.
— Hahahahaha! Mas é claro que
vou. Tente se mexer?
O vampiro ao tocar a rede sentiu
um cheiro estranho. Cheiro de alho. A rede era confeccionada com micro
partículas de extrato de alho, ao tentar desvencilhar-se da armadilha de
cordame especial, ela soltava micro partículas da especiaria deixando o ar impregnado.
O vampiro ficou imóvel.
— Desgraçado! — gritou o sangue
suga branquelo, sufocado pelo cheiro de alho que queimava suas entranhas.
O lobisomem arrancou a estaca do
Culote, a dor lancinante o fez urrar. O outro vampiro rastejava a procura da
lasca do seu precioso dente, que quebrara no impacto com o chão não se
importando com o que acontecia.
Vanderlei recarregava seu
lançador de estacas quando, de repente, duas múmias pútridas e desengonçadas,
surgiram juntando-se ao grupo monstruoso. Um ar de suspense e um cheiro de
mofo, pairaram sobre todos. Mas algo desviou a atenção do grupo. O ranger de
rodas enferrujadas ecoou pela noite. Da escuridão surgiu mais uma múmia, esta
vinha de cadeira de rodas. Os monstros entreolharam-se e o vampiro mais velho, ainda
preso na rede, perguntou sutilmente:
— De quem foi à idéia de chamar
essa múmia paralítica?
As outras duas múmias se
apontaram simultaneamente com as ataduras das mãos a balançar.
A cadeira parou e entre murmúrios
e gemidos, o ser enfaixado tentava, nervosamente, desenroscar a atadura presa à
roda.
— Isso é piada ou uma filmagem de
filme de Terror B? — perguntou sarcasticamente Vanderlei, que em nenhum momento
baixava sua arma.
— Sabe como é, temos um programa
de cotas. — disse o vampiro preso na rede.
— Chega de palhaçada! Dimitry!
Estacas flamejantes! — ordenou o caçador no micro comunicador em seu pulso.
— Pode deixar Vandeco! —
respondeu Dimitry.
No segundo seguinte uma estaca
incandescente iluminava a noite e acertava em cheio uma das múmias pelas
costas. Ela se debatia desesperadamente. As ataduras apodrecidas incendiaram-se
rapidamente. Angustiada por ver a amiga milenar e embalsamada, em chamas tentou
ajudá-la, mas teve as mãos incendiadas, e o fogo alastrou-se rapidamente.
Enquanto isso a múmia paralítica, nervosa com o nó cego que prendia seu braço à
roda, agora entrava em pânico ao ver as múmias em chamas que se aproximavam, o
bolo de fogo vinha em sua direção. O lobisomem estava ocupado, num movimento de
contorcionismo, com a cabeça enfiada entre as patas, lambendo seu ferimento no
culote.
O vampiro preso na rede tentava
escapar a todo custo, mas toda vez que tocava na rede ela liberava o extrato de
alho queimando suas mãos.
A múmia presa à cadeira de rodas
conseguiu desprender a mão no ultimo instante, soltando um suspiro poeirento de
alivio, que em seguida se tornou num grito de terror quando a cadeira de rodas
enroscou em um buraco no chão, de lá não saindo mais. Uma pira de múmias
incandescentes ardia em fogo intenso bem no meio da rua . O lobisomem, farto
com o que acontecia, cuspiu um tufo de pelo ensanguentado e correu ate a rede
rasgando-a e soltando o vampiro chefe.
A fera lupina levantou o focinho
e farejou. Descobriu de onde vinham às estacas flamejantes e seguiu na sua
direção.
Ao perceber a situação complicada
em que se encontrava o vampiro mais velho transformou-se em morcego gigante
novamente e alçou vôo.
— Ah não! Desta vez você não vai
escapar. — disse Vanderlei.
Preparou rapidamente um cabo de
aço preso a um pequeno arpão, acoplou na pistola, mirou e atirou. A seta cruzou
alguns metros no ar, perfurou o abdômen do morcego, trespassando seu corpo.
Preso ao cabo, o grande morcego pairava no ar batendo as asas freneticamente.
Com um tranco forte o cabo escapou das mãos de Vanderlei, mas prendeu-se em
dois fios de alta tenção provocando um curto circuito. A descarga elétrica
seguiu pelo cabo ate atingir o morcego. A descarga foi tão forte que fez o
monstro alado acender-se como um luminoso.
— Pai... Paie! Venha ver, é o
sinal do Batman. — gritou um garoto que olhava pela janela de um prédio de
apartamentos a dois quarteirões dali e via o morcego luminoso de asas abertas. —
É o Batman!
Antes de o pai chegar o morcego
havia se desintegrado por uma estaca certeira lançada por Vanderlei.
— Era só um sonho filho, volte a
dormir. — o homem fechou a janela e saiu tropeçando nos brinquedos espalhados
pelo chão. A escuridão da noite escondeu as cinzas do monstro alado.
Enquanto isso, a beldade
vampirica, agora, com dor de dente, esgueirava-se entre as sombras,
aproveitando-se da confusão para fugir e procurar um dentista.
Vanderlei chamou o ajudante pelo
rádio, mas não obteve resposta, correu na direção do amigo, mas era tarde
demais. O lobisomem terminava de arrancar o ultimo pedaço do pobre rapaz.
— Agora é sua vez... — gritou
Vanderlei.
O monstro lançou a cabeça de
Dimitry, que rolou como uma bola de boliche e parou aos pés de Vanderlei.
— Desgraçado!
O matador sacou de seu cinto algo
curvo, de metal prateado e afiado. Lançou o artefato que girou no ar, mas este
passou longe da fera lupina que caiu na gargalhada. O lobisomem caminhou em
direção a Vanderlei, no trajeto, saltitou, sapateou e rodopiou com profunda
leveza, representando um trecho do
ballet Pedro e o Lobo, parou a frente do homem pôs-se de pé mostrando todo seu
tamanho e força, sentiu o vento bater em seu saco pelado devido a depilação
forçada e preparou-se para dar o golpe fatal em Vanderlei. Em décimos de
segundos seu brinco rosa fluorescente balançou pela ultima vez. Sua cabeça fora
decepada pelo boomerang de prata lançado pelo matador de monstros, Vanderlei.
— Serviço concluído, pode mandar
a equipe de limpeza, tem muita sujeira aqui... O que? Já pedi para não me
chamar de Vandeco... Outra missão? Formatura da Liga Monstruosa? Ok! Mas vou
precisar de outro ajudante... Não, espera! — Vanderlei olhou o corpo caído
envolto no tecido azul, tampinha de caneta e teve uma ideia. Viu o grande
potencial da rapariga. Um bom treinamento e sem salto alto daria um ótimo
ajudante.
— Não precisa, acho que já achei
meu ajudante.
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