sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Matador de Monstros


                 — Ai bicha do céu! Não aguento mais correr! Olha aí... ai que ódio! Quebrou o saltinho do meu sapato...

         — Fecha essa boca  e corre, mona!

            — Esse cara tá correndo atrás da gente por quê? Não fizemos nada...

            — Você não, mas eu fiz...

               — Espera aí, amiga... Agora caiu meu brinco...

               — Deixa isso pra lá e vamos embora, rápido...

           — Ai loca! Você acha que eu vou deixar meu brinco pra trás. É cristal Swarovski...

        Um clarão iluminou a escuridão. De repente uma rede de material sintético envolveu o corpo do travesti, que se agachava para pegar o brinco.

            — Ahhhhhhh! O que é isso? Socorro mona! Ajude-me aqui! — a boneca gritava, quanto mais se mexia mais enroscada na rede ficava.

            A outra travesti parou, estava ofegante, mas voltou para ajudar a colega.

            — O que é que está acontecendo?  O que esse cara quer? O que você fez pra ele? — perguntou quase perdendo o ar ainda presa à rede.

            — Não é o que eu fiz... e sim... Ahhhh! O que... eU... SOUUUU... — disse o outro travesti, agora, com voz estranhamente cavernosa.  A bicha sofria uma mutação espantosa. A luz da lua cheia iluminava o ser contorcendo-se, dolorosamente, aos sons de ossos estralando, gemidos e roupas rasgando.

            — Monaaa do céuuuu! Queriiiiida! O que está acontecendo com você? Você está virando uma... borboleta? Tá rasgando esse vestidinho tubinho, lindo... Ahhhh! OLHA O QUE VOCÊ FEZ NO SAPATO!

            O travesti dobrara de tamanho. Sua amiga parou de falar quando percebeu o corpo peludo, as garras afiadas e grandes, a cara de cachorro raivoso e focinho enorme. Os brincos na cor rosa fluorescente continuaram presos às orelhas do, agora, lobisomem.

            — Bicha do céu tu és o Lobo Mau? Ai que fofinho que você ficou. Vou chamá-lo de Boomer. Sempre quis ter um cachorrinho com este nome. Aaa-doo-roo!

            O monstro rasgou a rede que prendia a amiga sem dar a mínima importância para o que a “moça” dizia e uivou. Uivou até conseguir arrancar a minúscula calcinha, que não rasgou na mutação e lhe apertava os testículos escondidos sob um pedaço de emplasto, agora muito mais avantajado do que antes.

            — Jeeesuuus! Benzadeus! Você nunca me falou disso...

            Da penumbra da noite uma silhueta alta e forte apareceu chamando a atenção do Monstro lupino. Vestia uma camiseta preta, dois cinturões cruzados no peito que escondiam a estampa em amarelo de uma carinha redonda e nervosa. Um dos cinturões estava carregado de estacas de madeira, no outro, balas de prata. O homem empunhava uma pistola grande e estranha, a arma  estava carregado com balas de prata, presa as costas carregava uma outra maior, com a qual lançara a rede.

            O lobisomem arrancou a calcinha e jogou. A peça intima, de tamanho diminuto, voou até parar aos pés de uma placa de propaganda, onde era anunciado um show do cantor Vando. Ergueu os braços e urrou mostrando toda sua força, chacoalhou a cabeça, e os brincos rosa fluorescentes brilharam a luz da lua cheia. Deu um passo por cima da “amiga” caída. Curiosa como só, a rapariga esticou o braço e com um puxão estúpido arrancou o emplasto que tapava a genitália do mostro.

            Por um instante o animal parou e envesgou seus olhos grandes e avermelhados, a dor foi tão intensa que ele gritou como um cachorro assustado, correu em círculos arrastando seu  traseiro no chão. A travesti percebeu que não fora uma boa ideia, segurava em uma das mãos o adesivo repleto de pelos negros. Quando o monstro parou e se virou para ela, rapidamente à boneca tentou esconder o emplasto, mas ele grudava de uma mão na outra.

            — Nossa Mona! — a bicha deu um sorriso amarelo. — Tu vai precisar de dias para fazer uma escova definitiva nestes pelos, querida. — disse tentando disfarçar o medo.

            O lobo soltou outro urro e com um chute arremessou a colega para longe como se fosse uma boneca, ela girou no ar e caiu a alguns metros à frente.

            — Finalmente encontrei você! — disse o homem.

            O lobisomem virou-se com os brincos a balançar. A marca de batom ainda era visível nos lábios do animal, a cor rosa combinava com os brincos e com a calcinha rasgada.

            — Você é a desgraça de seus ancestrais. E agora vou matá-lo.

O lobo urinava agachado para marcar seu território.

            — Isso é discriminação seu bofe nojento! — gritou o travesti a alguns metros dali enquanto levantava ajeitando as costas, que no intuito de ajudar a colega e aproveitando um momento de distração, correu e pulou nas costas do homem armado, no momento em que ele atirava com a pistola carregada com balas de prata.

O tranco o fez errar o tiro. O projétil passou de raspão na orelha do lobisomem arrancando-lhe um dos brincos e deixando-o com os pelos da orelha chamuscados. O lupino pulou de susto agarrando-se a um poste de iluminação.

Mesmo com o travesti agarrado em suas costas o matador conseguiu pegar o frasco de gás pimenta de um de seus cintos e disparar um jato diretamente nos olhos da boneca. Agora ela rolava no chão, desesperada, sujando todo o vestido tubinho, azul tampinha de caneta. Aquilo foi o “Ó” pra ela. Quando o homem se preparava para atirar novamente, dois morcegos enormes passaram por ele, desviando sua atenção. Uma nevoa branca surgiu mais à frente e os dois morcegos transformaram-se em belos vampiros. O mais velho tinha cabelos curtos e ajeitados com gel, usava vestimenta clássica de  vampiro, um tanto quanto cafona para a atualidade, camisa branca com babados e bordados, calça de tergal e capa de golas altas, pretas, a capa era forrada em cetim vermelho, o outro era de corpo muito bem definido, usava calça preta de couro, bem agarrada, que deixava um volume surreal entre suas pernas, casaco de couro preto e longo, sem camisa. Sua pela branca contrastava com a negra vestimenta. Que aberta mostrava seu abdômen definido, tinha cabelos longos, negros e sedosos. Uma beldade vampírica de tirar o fôlego.

            — Isso é alguma reunião da Ordem dos Monstros? — perguntou o matador.

            — Olá Vanderlei, nos encontramos novamente. — disse o vampiro mais velho, entre engasgos, pelo constrangimento da posição inusitada em que se encontrava o lobisomem, agarrado ao poste.

O animal deu mais uma vira volta no cano metálico. Executava ali, com extrema destreza, alguns movimentos de Pole Dance. Escorregou de cabeça para baixo e antes de bater com ela no chão, girou e pôs-se de pé. Em seguida pulou e parou ao lado do vampiro mais jovem. Deu uma olhadela, mordeu os lábios e revirou os olhos rubros imaginando cenas eróticas em meio a mordidas e arranhões.

            — Não esperava encontrar todos vocês aqui. — disse Vanderlei estranhando a cena.

            — Sempre aparecemos quando um de nossos amigos está precisando de ajuda. — o vampiro olhou para o lobo e pigarreou tirando-o de seus pensamentos. — Mas pelo visto quem vai precisar de ajuda é você.

            Vanderlei recarregava seu lançador de estacas calmamente, uma a uma. Mas os gritos do travesti que agora reclamava do vestido  manchado e rasgado, tirava sua concentração. Irritado e sem que a boneca histérica percebesse, ele tirou da cintura uma arma de choque e disparou sem olhar. A “moça” caiu no chão, tremelicando e espumando pela boca, devido ao choque violento. O delineador em seus olhos deixou manchas negras no rosto devido às lagrimas do choro involuntário que escorriam.

            — Pronto, esse ai vai dormir um pouco. — disse Vanderlei.

            Em seguida um aviso sonoro soou no ponto eletrônico em seu ouvido.

— Bem pessoal, não quero estragar a festa, mas minha ajuda chegou.

Sem que os monstros percebessem o ajudante de Vanderlei, Dimitry e sua careca reluzente, chegava por de trás. No momento em que ele disparava uma rede sobre o vampiro mais velho, Vanderlei atirava com seu lançador de estacas no jovial vampiro. O lobisomem empurrou o vampiro para tirá-lo da trajetória da estaca mortal e salvarndo-lhe a vida. O tiro acertou o lupino no culote fazendo-o pular de dor. O vampiro caiu e bateu com a boca no chão quebrando um dente.

— Você acha que vai me deter com essa rede de pesca? — disse o descendente de Nosferatus, o mais velho.

— Hahahahaha! Mas é claro que vou. Tente se mexer?

O vampiro ao tocar a rede sentiu um cheiro estranho. Cheiro de alho. A rede era confeccionada com micro partículas de extrato de alho, ao tentar desvencilhar-se da armadilha de cordame especial, ela soltava micro partículas da especiaria deixando o ar impregnado. O vampiro ficou imóvel.

— Desgraçado! — gritou o sangue suga branquelo, sufocado pelo cheiro de alho que queimava suas entranhas.

O lobisomem arrancou a estaca do Culote, a dor lancinante o fez urrar. O outro vampiro rastejava a procura da lasca do seu precioso dente, que quebrara no impacto com o chão não se importando com o que acontecia.

Vanderlei recarregava seu lançador de estacas quando, de repente, duas múmias pútridas e desengonçadas, surgiram juntando-se ao grupo monstruoso. Um ar de suspense e um cheiro de mofo, pairaram sobre todos. Mas algo desviou a atenção do grupo. O ranger de rodas enferrujadas ecoou pela noite. Da escuridão surgiu mais uma múmia, esta vinha de cadeira de rodas. Os monstros entreolharam-se e o vampiro mais velho, ainda preso na rede, perguntou sutilmente:

— De quem foi à idéia de chamar essa múmia paralítica?

As outras duas múmias se apontaram simultaneamente com as ataduras das mãos a balançar.

A cadeira parou e entre murmúrios e gemidos, o ser enfaixado tentava, nervosamente, desenroscar a atadura presa à roda.

— Isso é piada ou uma filmagem de filme de Terror B? — perguntou sarcasticamente Vanderlei, que em nenhum momento baixava sua arma.

— Sabe como é, temos um programa de cotas. — disse o vampiro preso na rede.

— Chega de palhaçada! Dimitry! Estacas flamejantes! — ordenou o caçador no micro comunicador em seu pulso.

— Pode deixar Vandeco! — respondeu Dimitry.

No segundo seguinte uma estaca incandescente iluminava a noite e acertava em cheio uma das múmias pelas costas. Ela se debatia desesperadamente. As ataduras apodrecidas incendiaram-se rapidamente. Angustiada por ver a amiga milenar e embalsamada, em chamas tentou ajudá-la, mas teve as mãos incendiadas, e o fogo alastrou-se rapidamente. Enquanto isso a múmia paralítica, nervosa com o nó cego que prendia seu braço à roda, agora entrava em pânico ao ver as múmias em chamas que se aproximavam, o bolo de fogo vinha em sua direção. O lobisomem estava ocupado, num movimento de contorcionismo, com a cabeça enfiada entre as patas, lambendo seu ferimento no culote.

O vampiro preso na rede tentava escapar a todo custo, mas toda vez que tocava na rede ela liberava o extrato de alho queimando suas mãos.

A múmia presa à cadeira de rodas conseguiu desprender a mão no ultimo instante, soltando um suspiro poeirento de alivio, que em seguida se tornou num grito de terror quando a cadeira de rodas enroscou em um buraco no chão, de lá não saindo mais. Uma pira de múmias incandescentes ardia em fogo intenso bem no meio da rua . O lobisomem, farto com o que acontecia, cuspiu um tufo de pelo ensanguentado e correu ate a rede rasgando-a e soltando o vampiro chefe.

A fera lupina levantou o focinho e farejou. Descobriu de onde vinham às estacas flamejantes e seguiu na sua direção.

Ao perceber a situação complicada em que se encontrava o vampiro mais velho transformou-se em morcego gigante novamente e alçou vôo.

— Ah não! Desta vez você não vai escapar. — disse Vanderlei.

Preparou rapidamente um cabo de aço preso a um pequeno arpão, acoplou na pistola, mirou e atirou. A seta cruzou alguns metros no ar, perfurou o abdômen do morcego, trespassando seu corpo. Preso ao cabo, o grande morcego pairava no ar batendo as asas freneticamente. Com um tranco forte o cabo escapou das mãos de Vanderlei, mas prendeu-se em dois fios de alta tenção provocando um curto circuito. A descarga elétrica seguiu pelo cabo ate atingir o morcego. A descarga foi tão forte que fez o monstro alado acender-se como um luminoso.

— Pai... Paie! Venha ver, é o sinal do Batman. — gritou um garoto que olhava pela janela de um prédio de apartamentos a dois quarteirões dali e via o morcego luminoso de asas abertas. — É o Batman!

Antes de o pai chegar o morcego havia se desintegrado por uma estaca certeira lançada por Vanderlei.

— Era só um sonho filho, volte a dormir. — o homem fechou a janela e saiu tropeçando nos brinquedos espalhados pelo chão. A escuridão da noite escondeu as cinzas do monstro alado.

Enquanto isso, a beldade vampirica, agora, com dor de dente, esgueirava-se entre as sombras, aproveitando-se da confusão para fugir e procurar um dentista.

Vanderlei chamou o ajudante pelo rádio, mas não obteve resposta, correu na direção do amigo, mas era tarde demais. O lobisomem terminava de arrancar o ultimo pedaço do pobre rapaz.

— Agora é sua vez... — gritou Vanderlei.

O monstro lançou a cabeça de Dimitry, que rolou como uma bola de boliche e parou aos pés de Vanderlei.

— Desgraçado!

O matador sacou de seu cinto algo curvo, de metal prateado e afiado. Lançou o artefato que girou no ar, mas este passou longe da fera lupina que caiu na gargalhada. O lobisomem caminhou em direção a Vanderlei, no trajeto, saltitou, sapateou e rodopiou com profunda leveza,  representando um trecho do ballet Pedro e o Lobo, parou a frente do homem pôs-se de pé mostrando todo seu tamanho e força, sentiu o vento bater em seu saco pelado devido a depilação forçada e preparou-se para dar o golpe fatal em Vanderlei. Em décimos de segundos seu brinco rosa fluorescente balançou pela ultima vez. Sua cabeça fora decepada pelo boomerang de prata lançado pelo matador de monstros, Vanderlei.

— Serviço concluído, pode mandar a equipe de limpeza, tem muita sujeira aqui... O que? Já pedi para não me chamar de Vandeco... Outra missão? Formatura da Liga Monstruosa? Ok! Mas vou precisar de outro ajudante... Não, espera! — Vanderlei olhou o corpo caído envolto no tecido azul, tampinha de caneta e teve uma ideia. Viu o grande potencial da rapariga. Um bom treinamento e sem salto alto daria um ótimo ajudante.

— Não precisa, acho que já achei meu ajudante.

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